Raros foram os dramas humanos que, tal como aquele protagonizado pela Ordem do Templo, suscitaram paixões tão díspares, contraditórias e persistentes. A copiosa bibliografia, antiga e moderna, disponível, apesar de nem sempre imaculada, constitui indício seguro da perenidade, se não do ideário templário, pelo menos da inquietação que enigmas nunca cabalmente esclarecidos, como o do seu lendário tesouro ou do misterioso ídolo que alegadamente adoravam, têm persistido em alimentar. A possibilidade da sobrevivência da Ordem após a sua suspensão canónica, em 1308, também não é questão despicienda. A avaliar pela profusão de sociedades, umas discretas, outras secretas, que se reivindicam como legítimas herdeiras do Templo, essa parece ter-se tornado, pelo menos desde o século XVIII, pretexto bastante para a reinvenção de inauditos ritos iniciáticos, creditados, de forma quase sempre anacrónica, aos Templários. Tais constatações são verídicas também para Portugal. Porém, o público não dispondo aqui de alternativas credíveis (uma vez que são raros os investigadores independentes e os académicos que não fogem do assunto, como se diz que o diabo foge da cruz), é compelido a consumir produtos importados, invariavelmente de qualidade duvidosa. Acresce a tudo isto a desvantagem adicional de, geralmente, esses produtos ignorarem, omitirem ou subvalorizarem o papel da Ordem de Cristo, autêntica sucessora e herdeira do Templo, cuja práxis e projecto adoptou, nacionalizando-os. A negligência e a deserção por parte dos especialistas nacionais tem, por outro lado, facilitado a adopção, bem como a implantação de um elevado número de elucubrações fantasiosas e infundadas, produzidas ora por franco-atiradores, ora por dignatários, ou simples filiados em associações neotemplárias portuguesas ou transnacionais. De facto, salvo algumas monografias e contributos pontuais com direito a destaque, as Ordens do Templo e de Cristo não conheceram ainda quem, numa perspectiva global, sistemática, sustentada (quer tradicional, quer documentalmente) e lusíada se aventurasse a resgatar a sua história, projecto, praxis e património. A utilidade do empreendimento chegou a merecer, convém recordá-lo, o reconhecimento de autoridades como Pedro A. de Azevedo ou Jaime Cortesão, o qual sublinharia ainda a necessidade de conduzir tal estudo ponderando o quanto do tesouro templário (espiritual, mas também material) terá sido investido na preparação e concretização da denominada expansão marítima, bem como na consolidação do Império português.
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